Recordando Ary




Como já vai sendo tradição, a BE recorda, em janeiro, um autor português.

Este ano, relembramos Ary dos Santos.

Assim:

Menina de olhar sereno
raiando pela manhã
de seio duro e pequeno
num coletinho de lã.
Menina cheirando a feno
casado com hortelã.

Menina que no caminho
vais pisando formosura
levas nos olhos um ninho
todo em penas de ternura.
Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.

Menina de saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.

Menina de riso aos molhos
minha seiva de pinheiro
menina de saia aos folhos
alfazema sem canteiro.

Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoroçada.

Menina de fato novo
ave-maria da terra
rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra.

E assim:

A relíquia que eu trago no meu peito
herdada de uma tia Patrocínio
é o país-paris onde me deito
sem culpa mas também sem raciocínio.

O conselheiro Acácio bem me disse
nos tempos em que eu era pequenina:
- «O Padre amaro é mau. Mas que chatice!
Não pode um padre amar uma menina?...»

E o meu primo Basílio brasileiro
que foi o pai das minhas sensações!...
e o Mandarim morrendo a tempo inteiro
num país de rabichos e aldrabões?...

Carlos da Maia meu primeiro amor
primeiro livro meu primeiro beijo.
Os Maias da cidade não dão flor
e as Maias é no campo que eu as vejo.

Ramires d'uma casa ilustre e vasta
pindéricos raminhos da nobreza
a terra portuguesa ainda não basta
para as courelas todas da avareza!

E o conde de Abranhos parlamento?
e a Vera Gouvarinho a baronesa?
Mudam-se os tempos mas não muda o vento
é sempre rococó à portuguesa!

Há cem anos que eu canto esta canção
sem cabeça porém com coração.
Porque o País do Eça de Queiroz
ainda é... o País de todos nós!...




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