Natal, tempo de poesia
Natal também é tempo de poesia, qualquer que seja a cultura ou a fé, na figura de um Papai Noel às Avessas ou de um "Menino Jesus verdadeiro". Natal é tempo de reflexão e de Paz, de Justiça e Boa Vontade, é tempo de Alegria.
Revisitando Drummond de Andrade e Alberto Caeiro, aqui ficam dois bonitos poemas de Natal.
Papai Noel às Avessas
Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.
Depois tirou do bolso um cigarro que não
quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.
Os meninos dormiam sonhando outros natais
muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Na horta, o luar de Natal abençoava os
legumes.
Carlos Drummond de Andrade
Este poema foi publicado no livro "Alguma Poesia", Editora Pindorama, em1930, primeiro livro do autor.
Texto extraído de "Nova Reunião", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1983, pág. 24.
VIII
Num meio-dia de fim
de primavera
Tive um sonho como
uma fotografia.
Vi Jesus Cristo
descer à terra.
Veio pela encosta de
um monte
Tornado outra vez
menino,
A correr e a
rolar-se pela erva
E a arrancar flores
para as deitar fora
E a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso de mais
para fingir
De segunda pessoa da
trindade.
[...]
Um dia que Deus
estava a dormir
E o Espírito Santo
andava a voar,
Ele foi à caixa dos
milagres e roubou três.
Com o primeiro fez
que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo
criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou
um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado
na cruz que há no céu
E serve de modelo às
outras.
Depois fugiu para o
sol
E desceu pelo
primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha
aldeia comigo.
É uma criança bonita
de riso e natural.
Limpa o nariz ao
braço direito,
Chapinha nas poças
de água,
Colhe as flores e
gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos
burros,
Rouba a fruta dos
pomares
E foge a chorar e a
gritar dos cães.
[...]
A mim ensinou-me
tudo.
Ensinou-me a olhar
para as coisas.
Aponta-me todas as
coisas que há nas flores.
Mostra-me como as
pedras são engraçadas
Quando a gente as
tem na mão
E olha devagar para
elas.
[...]
…………………………………………………
Ele mora comigo na
minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna
Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é
natural,
Ele é o divino que
sorri e que brinca.
E por isso é que eu
sei com toda a certeza
Que ele é o Menino
Jesus verdadeiro.
In O Guardador de Rebanhos
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Fernando
Cabral Martins, Richard Zenith, 2001
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