letras e números: a eterna sedução?...
Embora tenham
evoluído por caminhos significativamente diferentes, parece que a escrita e os
números são contemporâneos de nascimento. Talvez por isso se defenda que a
matemática ensina também a escrever, quando se pretende que a concisão, a
clareza e a precisão sejam qualidades de estilo. Isto, porque a linguagem
matemática exige uma ginástica mental extremamente intensa. Talvez por isso,
também, é que existem matemáticos apaixonados pela escrita literária, como
Blaise Pascal, Henri Poincaré ou Charles L. Dogson, este último mais conhecido
por Lewis Carrol, pseudónimo sob o qual escreveu Alice no País das Maravilhas
(Alice's adventures in wonderland) [navegue aqui pelo manuscrito original].
Mas, se existem
matemáticos fascinados pelas letras, o inverso não é menos verdade. O escritor
Paul Valery possuía uma excelente cultura matemática, Dostoyevski e Stendhall
também revelam, em algumas obras, paixão pela senhora dos números, Jorge Luis
Borges incorpora conceitos e raciocínios matemáticos em alguns dos seus contos.
«A Biblioteca existe
ab aeterno. [...] O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou
dos demiurgos malévolos. [...]
O universo (que
outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez
infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro,
cercados por balaustradas baixíssimas.
[...]
não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam
limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos
podem inconcebivelmente cessar - o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem
limites esquecem que os abrange o número possível de livros. Atrevo-me a
insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica.
Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim
dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada,
seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante
esperança.»
Embora possa ser
entendido como uma metáfora da Sociedade da Informação, o conto A Biblioteca de Babel é, na verdade, uma soberba metáfora, na qual mundo e literatura se confundem
numa suprema representação em imagens e conceitos matemáticos: um mundo
impregnado de uma linguagem simbólica à espera de ser interpretada, a realidade
representada numa imensa Biblioteca, plena de livros à espera de serem
decifrados (pela tal ginástica mental extremamente intensa, que naturalmente existem em cada um de nós...).
E, como sugestões de leitura, aqui fica um contador com títulos que não resistiram aos números...
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