janeiro, a ler [também] matemática


Se não receio o erro é porque estou sempre disposto a corrigi-lo
Bento de Jesus Caraça

Começamos o dia com a tormenta dos números: lá estão eles cravados no visor do despertador ("Já???!!!"), continuam, depois, no fim dos ponteiros do relógio, na voz da rádio que nos acompanha a caminho do trabalho, no mostrador do relógio do automóvel, este parado por uma fila de que aquele não se compadece... e, sem darmos conta, passamos o dia às voltas com números.

«Se o homem vivesse isolado, sem vida de relação com os outros homens, a necessidade da contagem diminuiria, mas não desapareceria de todo; a sucessão dos dias, a determinação aproximada das quantidades de alimentos com que se sustentar e aos seus, pôr-lhe-iam problemas que exigiriam contagens mais ou menos rudimentares.
Mas, à medida que a vida social vai aumentando de intensidade, isto é, que se tornam mais desenvolvidas as relações dos homens uns com os outros, a contagem impõe-se como uma necessidade cada vez mais importante e mais urgente».

Afinal, mesmo sem querermos, andamos sempre acompanhados pela matemática, essa senhora que tanta dor de cabeça causa a alunos, educadores, pais... mas que a todos é absolutamente essencial.

A Bilbioteca Escolar ClaraPóvoa propõe, no início de 2013, que, em janeiro, também se leia matemática. E começámos por escolher um matemático português: Bento de Jesus Caraça.

Homem de sólidas convicções ideológicas, desenvolveu uma intensa actividade política em acções contra o regime ditatorial de Oliveira Salazar (1889-1970). Além da carreira académica brilhante, sobre ele diz Sebastião Silva que foi também «um matemático humanista, que procurou humanizar  o ensino da matemática, procurando integrá-lo no complexo cultural da sua época e tornando-o fascinante» e apresentando a matemática «com uma linguagem nova». São dele as palavras do excerto supra, insertas no livro Conceitos fundamentais de matemática, cuja linguagem simples e clara seduz o leitor, convidando-o a aventurar-se na descoberta do aparecimento dos números naturais

«[...] a maneira como a contagem se faz; para pequenas coleções de objetos, é habitual contar-se pelos dedos, e este facto teve grande influência no aparecimento dos números; não é verdade que o nome dígito, que designa os números naturais de 1 a 9, vem do latim digitus que significa dedo? Mas há mais: - a base do nosso sistema de numeração é 10, número de dedos das duas mãos. Nos povos primitivos de hoje, essa influência é tão grande que, em certos nomes de números, figuram partes do corpo humano - alguns dizem duas mãos em vez de 10, um homem completo em vez de 20 (significando que, depois de esgotar os dedos das mãos, se conta com os dos pés), etc.»;

na verificação de que «as leis matemáticas traduzem a harmonia universal», seja no campo da geometria, com o célebre teorema de Pitágoras, seja no domínio da música, onde Pitágoras registou triunfos não menos notáveis

«Por experiências feitas no monocórdio [instrumento com uma corda só e um cavalete móvel que permite, deslocando-o, dividir a corda em dois segmentos na razão que se quiser], ele verificou que os comprimentos das cordas que, com igual tensão, dão notas em intervalo de oitavas, estão entre si na razão de 2 para 1; em intervalo de quinta, na razão de 3 para 2; em intervalo de quarta, na razão de 4 para 3. Como Pitágoras deve ter vibrado de entusiasmo ao verificar como até as relações de coisa tão subtil e incorpórea como o som - a matéria, por excelência, da harmonia - se traduziam em relações numéricas simples!».

Alguns dos seus escritos originais podem ser acedidos aqui.



Comentários

Mensagens populares