[lembrando] em abril...

... Rosa Lobato de Faria, a propósito de um texto seu, inédito.


«Escolhi este mês de Abril para te escrever. [...] Farias 81 [anos] neste Abril de 2013.
[...] escrevo-te, ao encontrar este texto inédito no teu recém-organizado espólio, que ajudará muitos a compreender que é abraçando o Judas que Todos, sem excepção, temos dentro de nós que poderemos tentar compreender a transcendência da Crucificação e da Ressurreição que tomamos por metáfora no nosso quotidiano. [texto truncado]

         Judas
(Inédito de Rosa Lobato de Faria)

         Encontrei-te num quadro encostado à parede. Entre balcões de cal, escadotes e vassouras. Voltaste a cabeça quando ouviste os meus passos. Fitámo-nos nos olhos. E ficámos ali sozinhos. Parados no tempo. Esquecidos das trevas por chegar. Nos teus olhos negros havia medo. Na tua boca uma desculpa pronta. Todo o teu corpo era defesa e sobressalto. Não sei quem esperavas. Mas fui eu que cheguei. Eu que te olhei de frente. Eu que, de súbito, te amei e entendi. Tu gritavas. Tentavas explicar-me. Ele, entretanto, repartia o pão e o vinho e no seu coração o perdão já nascia para esse teu particular horror. Mas era a ti que eu via. Eu sabia que tinhas medo. Que ias trair. Que a tua morte estava próxima. Talvez te amasse por isso. E porque eras belo e vivo e humano. Tão belo que a tua beleza suportava o teu medo. Tão vivo que ias ter forças para morrer. Tão humano que te desencontravas da tua consciência. Eu amei-te. Vi que, por um momento, os meus olhos te deram esperança. Ele partilhava o pão e o vinho. E no Seu coração o perdão já nascia para esse meu particular amor. Num museu em obras. Dois mil anos depois

Sousa, P. R.  (2013,  5 de abril). Carta a Rosinha. Revista Tabu, 344, 34-35. Semanário Sol

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