[comemorando] em maio...

... o Trabalho.






Embora feitas pelo Homem [as coisas], vêm e vão, são produzidas e consumidas de acordo com o eterno movimento cíclico da natureza. A vida é um processo que, em tudo, consome a durabilidade, desgasta-a, fá-la desaparecer, até que a matéria morta, resultado de pequenos processos vitais, singulares e cíclicos, retorna ao ciclo global e gigantesco próprio da natureza.
O mundo, o lar feito pelo homem, construído na terra e fabricado com o material que a natureza terrena coloca à disposição de mãos humanas, consiste não em coisas que são consumidas, mas em coisas que são usadas. Se a natureza e a terra constituem, de modo geral, a condição da vida humana, então o mundo e as coisas do mundo constituem a condição na qual esta vida especificamente humana pode sentir-se à vontade na terra. Aos olhos do animal laborans, a natureza é a grande provedora de todas as coisas boas que pertencem igualmente a todos os seus filhos, que as tomam em suas mãos e se misturam com elas no labor e no consumo. Essa mesma natureza, aos olhos do homo faber construtor do mundo, fornece apenas os materiais que, em si, são destituídos de valor, pois todo o seu valor reside no trabalho que é realizado sobre eles.
A solidez, inerente a todas as coisas, até mesmo às mais frágeis, resulta do material que foi trabalhado; mas esse mesmo material não é simplesmente dado e disponível, como os frutos do campo e das árvores, que podemos colher ou deixar em paz sem que com isso alteremos o reino da natureza. O material já é um produto das mãos humanas que o retiram da sua localização natural, seja aniquilando um processo natural, como no caso da árvore que tem de ser destruída para que se obtenha a madeira, seja interrompendo os processos mais lentos da natureza, como no caso do ferro, da pedra ou do mármore, arrancados do ventre da terra. Este elemento de violação e de violência está presente em todo o processo de fabricação, e o homo faber, criador do artifício humano, sempre foi um destruidor na natureza.
Para a sociedade dos operários, o mundo das máquinas substitui hoje o mundo real, embora este pseudomundo seja incapaz de realizar a mais importante tarefa do artifício humano, que é a de oferecer aos mortais um abrigo permanente e estável para eles mesmos. No seu contínuo processo de operação, este mundo de máquinas começa a perder até mesmo o carácter humano independente que os utensílios e as primeiras máquinas da época moderna possuíam em tão alto grau. Os processos naturais de que se alimenta emprestam-lhe uma afinidade cada vez maior com o próprio processo biológico, de modo que os aparelhos, que antes manejávamos tão livremente, começam a parecer carapaças, partes integrantes do nosso corpo. A tecnologia já não parece ser o produto do esforço humano consciente no sentido de multiplicar a força material, mas sim uma evolução biológica da humanidade.
Arendt, Hanna. (2001). A condição humana. Lisboa: Relógio d’ Água, pp. 121-126 (adaptado).




Isabel Bernardo
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