ABRE-TE SÉSAMO!


... a propósito do dia mundial do livro e do autor


Quando entro pela porta de um livro, peço licença, como faço sempre que invado um espaço que não me pertence. É como que um ritual que se repete de cada vez que um livro me chama. Primeiro, aproximo-me, olho-o nos olhos, pego-lhe de mansinho, passando as mãos pela sua pele ora suave, ora rugosa e abro-o ao acaso, procurando algum vestígio de empatia entre nós. Por vezes, é amor à primeira vista e não adianta resistir.

Sinto que já fui apanhada e não consigo desligar o interruptor que me liga a esta corrente, deixando, então, a energia daí resultante cumprir o seu circuito, isto é, a trajetória de leitura. Frequentemente, quando passo pelas passerelles de livros, estejam eles onde estiverem, sinto o seu olhar provocador e, estoicamente, tento resistir, olhando-os apenas de soslaio, mas eis que o canto das sereias é mais forte e, inevitavelmente, deixo-me levar pelo seu poder de sedução. Timidamente, vou entrando no seu mundo recôndito, mágico, e não tarda muito que me tenha esquecido de mim, de onde estou e…das horas! Quase sem me aperceber, já viajei até ao outro lado do mundo, já percorri séculos de História, já ouço as vozes daqueles que eram apenas nomes, vejo-lhes os traços fisionómicos, simpatizo com uns, implico com outros, defendo as suas causas, pondero as suas ideias e até deixo escapar (às escondidas) uma ou outra lágrima, quando tudo termina em bem e os meus heróis encontram a felicidade merecida.

Contudo, o ato de ler não oferece apenas ao leitor este poder mágico da transmutação que lhe permite evadir-se, sempre que o desejar, para uma outra galáxia. Ler constitui também uma atividade fundamental, eu diria mesmo higiénica, em termos de atitude crítica perante a realidade e o mundo em que vivemos. Leitura não é só sinónimo de evasão, de entretenimento, de lazer, mas também fonte de conhecimento, de inquietação, arma de combate poderosíssima que a tantos incomodou ao longo da história da humanidade. Quantos livros não foram confiscados, censurados, destruídos só porque tinham esse poder de despertar consciências? Quantos autores não foram encarcerados, queimados, abatidos, na defesa dos seus ideais? A questão permanece até aos nossos dias. A literatura é um contrapoder poderosíssimo que regula a vida nas sociedades democráticas. É certo que a cultura do audiovisual veio alterar significativamente a relação do homem com o livro, com a leitura e com a própria sociedade. No entanto, o mundo por imagens que nos é proposto, em vez da cultura escrita, tem um preço muito elevado, pois desativa a capacidade crítica e de abstração, tão importantes para o nosso equilíbrio mental e para a formação que queremos dar aos mais jovens. Desejamos que estes sejam autónomos, críticos responsáveis e que desenvolvam a sua capacidade de reflexão. Todavia, estes objetivos só serão alcançados quando for implementada uma cultura de leitura consciente e organizada, desde a mais tenra idade. Ninguém nasce leitor. Caberá, por isso, aos pais, aos professores e a todos os responsáveis pela educação, no seu sentido mais lato, criar as condições necessárias para que o gosto pela leitura se desenvolva em plena harmonia e em simultâneo com a prática de outras atividades, contribuindo, assim, para o desenvolvimento integral da criança e do jovem. O livro está intimamente ligado à existência do ser humano, às suas fragilidades, às suas emoções, às suas derrotas e conquistas, acompanhando o seu processo de evolução natural e perpetuando, assim, através da escrita, o que a memória esqueceria.

Para terminar, lembro as palavras de Umberto Eco: “ O livro é como a colher, o martelo, a roda ou o cinzel. Uma vez inventados, não se pode fazer melhor. Não se pode fazer uma colher que seja melhor que uma colher” *. Partindo deste princípio, também não se pode fazer um livro que seja melhor que um livro, sendo certo, porém, que de um leitor se poderá fazer um melhor leitor e de uma leitura uma infinidade de leituras, que só serão possíveis partindo de um substrato cultural capaz de suportar toda a estrutura que o ato de ler implica (A Obsessão do Fogo, Eco, Umberto, & Carrière, Jean- Claude, p.20).

Madalena Toscano


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