Imagens
“Fala comigo. Ao menos fica desiludido.”
Mas só se ouve a chuva. Os longos cabelos pixelizados dele não se mexem; o olhar, perdido no tempo e no espaço. Baço.
“Quem me dera que não estivesses numa parede”, acrescento, apagando o último candeeiro e acendendo o telemóvel para me distrair do frio molhado que entra pelas frestas das claraboias e desliza pelas paredes.
Na Internet, "Mulher mexicana beija cromo durante 20 anos pensando que é imagem de Jesus." Enfim, fé. Talvez tenha sido a maior conquista da humanidade: fez o melhor e o pior, mas, de tudo o que fez, nada foi pequeno. Haverá algo mais xanaxioso que acreditar? Quem me dera ainda ter fé. Por isso, não julgo quem adora Jesus e/ou beija cromos. Sou uma desconquista social andante. Converso com um poster.
Dantes, falava com peluches. Tinha sentido falar-lhes, porque tinham vidas e desafios complexos, tal como tem sentido para um católico falar para Jesus. Possivelmente, haverá quem rotulasse o meu caso de “preocupante”, provavelmente com razão: tenho noção que o cantor do poster não existe e nunca vou ser ouvida, mas falo na mesma.
A minha maior conquista? Em termos de tamanho, crescer. Mas quanto custa crescer? Quando este poster, como os peluches, perder a vida que nunca teve, falo com quem? Vou ficar sozinha.
Tenho tanto medo do futuro, do que a conquista do tempo, dos 20, dos 30 anos, custará… “Quem me dera estar eu morta e emoldurada e tu aqui. Mas, às vezes, cada um tem o que merece.”
De manhã, o poster está molhado. Se calhar também chorou ontem à noite.
“Não te preocupes”, suspiro, talvez também para dentro. “Se não falar destes medos a ninguém, talvez nunca se realizem. Afinal, Jesus não tem por hábito ouvir-me os desejos. Nem mesmo os maus.”
Laura Agostinho Pedro
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