A gente surda e endurecida
Ai, se eu fosse Camões! Escreveria milhares de
sonetos de amor, vilancetes repletos de mágoa, cantigas de mudança, esparsas de
desconcerto… Se eu fosse Camões, salvaria todos os livros a nado e mais alguns,
se necessário. Se eu fosse
Camões, traria de volta a elegância e a
simplicidade do classicismo. Se eu fosse
Camões, ficaria desiludido!
Mas a que se deve esta desilusão? Deve-se à “gente
surda e endurecida” deste nosso Portugal que insiste em permanecer surda e
endurecida. Gente que não aprecia a arte feita pela própria gente e, se alguma
arte finge apreciar, é feita pela gente de fora. Gente que não conhece e nem se
interessa em conhecer a própria cultura. Gente avarenta e arrogante e infeliz.
E como fica a gente que a arte faz? Essa gente fica
igualmente infeliz, com uma permanente frustração alojada no seu peito por
saber a importância do que faz e por perceber a tão pouca importância que lhe
dão; essa gente que é constantemente obrigada a viver uma vida a que outros
chamam insignificante pelo simples facto do que faz ser tão pouco significante
aos olhos da gente surda e endurecida que a rodeia. E importante será dizer que,
dessa gente, Camões fazia parte.
A surdez crónica e contagiosa num país onde há muito
para se ouvir é coisa feia e condenável. E a dureza bruta e apática num país,
cuja própria história emociona, é perversa e repudiante. E tudo isto é o pior deste ruim mal: a constante
escolha da ignorância ao invés da cultura num país como o nosso Portugal.
Comentários
Enviar um comentário