[celebrando] 125...
... velas, no bolo
de aniversário do nascimento de Fernando Pessoa, que se celebra hoje, dia 13 de
junho.
Integrada nas
comemorações está a publicação do livro Fernando Pessoa & Ofélia
Queiroz - Correspondência amorosa completa, cuja organização é da responsabilidade de Richard Zenith, que integra 348
documentos, transcritos integralmente, dos quais 156 são inéditos.
Então, como começou o
namoro?
Ophélia Queiroz é
admitida, com 19 anos, no escritório onde Fernando Pessoa trabalhava como
colaborador.
Um dia faltou a luz no escritório. [...] O Fernando foi buscar um candeeiro de petróleo,
acendeu-o, e pô-lo em cima da minha secretária.
Um pouco antes da hora da saída, atirou-em
um bilhetinho para cima da secretária, que dizia: «Peço-lhe que fique.» Eu
fiquei, na expectativa. Nessa altura, já eu me tinha apercebido do interesse do
Fernando por mim, e eu, confesso, também lhe achava uma certa graça...
Lembro-me que estava de pé, a vestir o casaco, quando
ele entrou no meu gabinete. Sentou-se na minha cadeira, pousou o candeeiro que
trazia na mão e, virado para mim, começou de repente a declarar-se, como Hamlet
se declarou a Ofélia:«Oh, querida Ofélia! Meço mal os meus versos; careço de
arte para medir os meus suspiros; mas amo-te em extremo. Oh! até ao último
extremo, acredita!»
Fiquei perturbadíssima, como é natural, e, sem saber
o que havia de dizer, acabei de vestir o casaco e despedi-me precipitadamente.
O Fernando levantou-se, com o candeeiro na mão, para me acompanhar à porta.
Mas, de repente, pousou-o sobre a divisória da parede; sem eu esperar,
agarrou-me pela cintura, abraçou-me e, sem dizer palavra, beijou-me, beijou-me,
apaixonadamente, como louco.
Fui para casa [...]. Passaram-se dias e como o Fernando parecia ignorar o que se havia
passado entre nós, resolvi escrever-lhe uma carta, pedindo-lhe uma explicação.
É o que dá origem à sua primeira carta-resposta [...]. Assim começámos o namoro. [1]
Eis a carta em
questão, a primeira carta de amor de Fernando Pessoa.
Ophelinha:
Para me mostrar o seu desprezo, ou, pelo menos, a sua
indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão
comprido, nem da série de «razões» tão pouco sinceras como convincentes, que me
escreveu. Bastava dizer-mo. Assim, entendo da mesma maneira, mas dói-me mais.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem
naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Ophelinha pode
preferir quem quiser: não tem obrigação — creio eu — de amar-me, nem, realmente
necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que
parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as coisas, nem trata
os outros como réus que é preciso «entalar».
Porque não é franca para comigo? Que empenho tem em
fazer sofrer quem não lhe fez mal — nem a si, nem a ninguém —, a quem tem por
peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lha
venham acrescentar criando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições
fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento,
ou com que proveito, mesmo de troça.
Reconheço que tudo isto é cómico, e que a parte mais
cómica disto tudo sou eu.
Eu-próprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se
tivesse tempo para pensar em outra coisa que não fosse no sofrimento que tem
prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio
bem que amá-la não é razão bastante para o merecer. Enfim...
Aí fica o «documento escrito» que me pede. Reconhece
a minha assinatura o tabelião Eugénio Silva.
1.3.1920.
Fernando Pessoa
[1]in Queiroz, C. (1936) Homenagem a Fernando Pessoa. Coimbra: Ed. Presença.
E foi assim, em verso, o despertar de uma verdadeira paixão amorosa.
Fiquei louco, fiquei tonto,
Meus beijos foram sem conto,
Apertei-a contra mim,
Enlacei-a nos meus braços,
Embriaguei-me de abraços,
Fiquei louco e foi assim.
Dá-me beijos, dá-me tantos,
Que enleado em teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida,
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos céus.
Boquinha dos meus amores,
Lindinha como as flores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhe dou também.
[...]
Fernando Pessoa
Comentários
Enviar um comentário