a insustentável leveza dos ideais

27 de janeiro [dia internacional da memória do Holocausto]


Na atualidade, o termo Holocausto representa o extremínio planeado, pelo governo nazi, de cerca de seis milhões de judeus, a que se juntou a eliminação da população cigana, dos deficientes físicos e mentais e de vários povos eslavos (polacos, russos…). Este extermínio assentava na crença de que os alemães eram um povo superior e que os não arianos, em particular os judeus, eram impuros e inferiores, pelo que deviam ser eliminados.

Ver aqui uma linha de acontecimentos que estão na origem do Holocausto

Ver aqui um vídeo que mostra a sucessão de acontecimentos que antecedem
o Holocausto e onde é questionado o papel dos países e das pessoas comuns.

Para concentrar, monitorar e facilitar a deportação futura da população judaica, os alemães e seus colaboradores criaram guetos, campos de transição e campos de trabalho escravo para judeus.

Campo de Buchenwald

As autoridades alemãs também criaram campos onde exploravam o trabalho forçado de não-judeus, tanto no chamado Grande Reich Alemão como nos territórios ocupados pela Alemanha.

Mapa do Holocausto
Após a invasão da União Soviética, em junho de 1941, as Einsatzgruppen, unidades móveis de extermínio, e posteriormente os batalhões policiais militarizados, atravessaram as linhas fronteiriças alemãs para realizar operações de assassinato em massa de judeus, ciganos e autoridades governamentais do estado soviético e do Partido Comunista. As unidades das SS e da polícia alemã, apoiadas pelas unidades da Wehrmacht-SS e das Waffen-SS, assassinaram mais de um milhão de homens, mulheres e crianças judias, além de outras centenas de milhares de pessoas de outras etnias. Entre 1941 e 1944, as autoridades nazis alemãs deportaram milhões de judeus da Alemanha, dos territórios ocupados e dos países aliados ao Eixo para guetos e campos de extermínio, muitas vezes chamados de centros de extermínio, onde eram mortos nas instalações de gás criadas para cumprir esta finalidade.

De fome, de exaustão, queimados, baleados ou gaseados,
milhões de pessoas morreram nos campos de trabalho e nos campos de extermínio.
Entre 1948 e 1951, cerca de 700.000 sobreviventes emigraram da Europa para Israel. Muitos outros judeus deslocados de guerra emigraram para os Estados Unidos e para outras nações, tais como o Brasil. O último campo para deslocados de guerra foi fechado em 1957. Os crimes cometidos durante o Holocausto devastaram a maiorias das comunidades judaicas da Europa, eliminando totalmente centenas destas comunidades centenárias.

Uma das interrogações recorrentes é a de saber como foi possível o Holocausto, como é que milhões de homens, mulheres e crianças puderam morrer de acordo com um plano sistemático de extermínio.

Hannah Arendt

Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judia (ver aqui e aqui mais informação sobre esta pensadora), publicou em 1963 a obra Eichmann em Jerusalém e que resultou do conjunto de artigos jornalísticos que escreveu ao acompanhar, na cidade de Jerusalém, o julgamento de Eichmann, coronel nazi que planificou ao mínimo pormenor o transporte e morte de milhares de judeus, num programa que ficou conhecido como “a solução final”.  




Eichman durante o seu julgamento em Jerusalém.

Num filme de 2013 sobre Hannah Arendt, vemos como a filósofa chega à perturbante conclusão de que Eichmann não representa o “mal absoluto”. É apenas um funcionário, racional e burocrata que age sem outra consciência que a da obediência ao dever.



Raphael Lemkin, um sobrevivente polaco, utilizou, em 1944, a palavra genocídio para descrever os acontecimentos durante o nazismo, e dedicou a sua vida a lutar para que o Holocausto nunca se voltasse a repetir.

Raphael Lemkin
Do seu ativismo, surgiu a Convenção de Prevenção e Punição do Genocídio. Estabelecida pela Assembleia das Nações Unidas a 9 de dezembro de 1948, obriga os signatários a prevenir o genocídio, definido como um ato que tem por intenção destruir uma nação, etnia, raça ou grupo religioso. A assinatura desta convenção trouxe inegáveis avanços nas leis que regem a relação entre estados. O primeiro avanço é de natureza moral: a soberania dos estados sobre os seus povos deixou de ser absoluta e tornou-se possível a interferência quando um governo comete atrocidades contra a população civil. O segundo avanço é de natureza legal: desde que a Convenção entrou em vigor, os responsáveis por assassinatos em massa podem ser levados a tribunal, tal como já aconteceu a propósito dos conflitos no Cambodja, no Ruanda e na Jugoslávia. O terceiro avanço prende-se com a ideia de prevenção, ou seja, de as nações implementarem medidas, através da educação e da diplomacia, que visam evitar ações de genocídio.



Dia Internacional da Memória do Holocausto

Apesar deste avanço, atos de genocídio continuaram a acontecer (Ruanda, Bósnia…) e são ainda hoje situações contra as quais temos de estar permanentemente alerta (veja-se a situação da Síria, onde já morreram mais de 130 mil pessoas).

A memória e o conhecimento do passado ajuda-nos a compreender e a agir no presente e a construir o futuro. O Dia Internacional em memória das Vítimas do Holocausto, comemorado anualmente no dia 27 de janeiro, foi criado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, através da resolução 60/7 de 1 de novembro de 2005. Nesse mesmo ano, o Parlamento Europeu estabeleceu também o dia 27 de janeiro como o dia Europeu de Memória do Holocausto. Assinalar estes dias é não esquecer os que pereceram. Mas, é também criar em cada consciência o desejo de proteger e compreender o Outro.

A Memoshoá - Associação Memória e Ensino do Holocausto  dedica-se a manter viva a memória do Holocausto e a desenvolver ações educativas para que as novas gerações construam uma consciência ética que não permita a repetição dos eventos da Segunda Guerra Mundial.

Neste âmbito, podemos também ver o Webinar subordinado ao tema Dia Internacional em Memória do Holocausto - Aprender com o Passado, Ensinar para o Futuro  que decorreu a 22 de janeiro de 2014.


A voz do Holocausto

Para muitos que viveram o Holocausto, as atrocidades cometidas faziam parte do  indizível. Não havia palavras que pudessem dizer o que foi visto como o “mal absoluto”, uma ruptura total com a humanidade.
Apesar disso, vários escritores, alguns dos quais sobreviventes dos campos de concentração nazis, relataram, de modo mais ou menos ficcionado, a sua experiência de perseguidos e desumanizados. Os temas mais recorrentes nas várias obras são a viagem, os campos, o trabalho, a desumanização, a razão dos senhores, a fome e a morte.

Primo Levi. Químico de profissão, a sua obra Tabela Periódica relata a experiência de vários prisioneiros do campo onde esteve, sempre em articulação com elementos químicos. Este livro foi considerado em 2006, pela Royal Institution of Great Britain, como o melhor livro sobre ciência de todos os tempos.

Primo Levi, escritor italiano que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, escreveu, entre várias obras onde narra a sua experiência, Se isto é um homem, texto que podemos encontrar na BECP. Primo Levi reflete sobre as razões porque muitos dos prisioneiros pereceram ou resistiram ao campo de concentração e o modo como cada um encontrou estratégias para sobreviver à provação. 



Eis um exemplo:
A história do engenheiro Alfredo L. mostra quanto é infundado o mito da igualdade originária entre os homens.
L. dirigia no seu país uma fábrica muito importante e o seu nome era (é) conhecido em toda a Europa. Era um homem forte, com cerca de cinquenta anos. (…) Quando o conheci estava muito debilitado, mas guardava no rosto os traços de uma energia disciplinada e metódica; naquele tempo os seus privilégios limitavam-se à limpeza diária das marmitas dos operários polacos: este trabalho, que obtivera não sei como, a exclusividade, rendia-lhe meia marmita de sopa por dia. Isso não era suficiente para satisfazer a sua fome; todavia, nunca ninguém ou ouvira queixar-se. Antes pelo contrário, as poucas palavras que pronunciava eram tais que faziam pensar em grandiosos recursos secretos, numa organização sólida e lucrativa.
E isso era confirmado pelo seu aspeto. L. tinha “um estilo”: as mãos e o rosto sempre perfeitamente limpos, tinha a abnegação de lavar, de quinze em quinze dias, a camisa sem esperar a mudança bimestral (faz-se notar aqui que lavar a camisa significa encontrar o sabão, o tempo, o espaço no lavatório superconcorrido; adaptar-se a vigiar atentamente, sem nunca distrair os olhos um instante; a camisa molhada, e vesti-la, naturalmente ainda molhada, à hora do silêncio, em que as luzes se apagam). (…) Só muito tempo depois fiquei a saber que toda esta ostenção de prosperidade, L. ganhara-a com incrível persistência, pagando cada aquisição e serviço com o pão da sua própria ração, reduzindo-se assim a um regime de privações suplementares.
Levi, P. (2002). Se isto é um homem. Lisboa: Público, pp. 104-105.


Irme Kertész é um escritor húngaro (ler entrevista com o autor aqui), de religião judaica, que sobreviveu ao Holocausto. Com 14 anos foi enviado para Auschwitz e posteriormente para Buchenwald. Em 2002 recebeu o Prémio Nobel da Literatura pelo conjunto da sua obra.

Irme Kertész
Existe na BECP


Em Sem destino e A recusa, o prisioneiro Koves Giorgy conta a sua experiência, primeiro como judeu descriminado em Budapeste, e depois como prisioneiro. O modo passivo e inocente como Koves Giorgy retrata a sua história deixa-nos perplexos.

Elie Wiesel
Elie Wiesel é um judeu de origem romena, sobrevivente a Auschwitz, que ganhou em 1986 o Prémio Nobel da Paz pelo conjunto das suas 57 obras onde retrata e mantém viva a memória do Holocausto. Foi apelidado pelo comité do Prémio Nobel como um “caminhante da humanidade”. O seu trabalho em defesa da paz é perpetuado pela Elie Wiesel Foundation for Humanity, conforme se pode ver aquiNa sua obra A noite (disponível na BECP) descreve a sua experiência enquanto prisioneiro de Auschwitz.
Para saber mais, ver online a Enciclopédia do Holocausto  e a página web do United States Holocaust Memorial Museum.

Isabel Bernardo 

Referências bibliográficas
United States Holocaust Memorial Museum (s/d). Enciclopédia do Holocausto. Em http://www.ushmm.org/ptbr/holocaust-encyclopedia

United States Holocaust Memorial Museum (December 9, 2013). Sixty-Five Years Later: The UN Convention on the Prevention and Punishment of Genocide. Em http://www.ushmm.org/confront-genocide/preventing-genocide-blog/genocide-prevention-blog/genocide-prevention-blog-1/sixty-five-years-later

Comentários

Mensagens populares