Lembrar a professora Clara Póvoa
Querida Clara,
Na sequência da homenagem que te vão fazer,
pediram-me que, na qualidade de teu colaborador próximo, escrevesse alguma
coisa sobre ti, para ser colocada no “blog” da biblioteca da nossa escola.
Passados dois anos do teu desaparecimento
físico, ainda não me parece que tenhas morrido... Sabes, nós só morremos quando
caímos no esquecimento daqueles com quem nos relacionámos, pessoal e
profissionalmente, em vida. Eu tive o privilégio de ter sido teu amigo, além de
colega de trabalho, e a impressão enorme com que me marcaste vai prevalecer em
mim, provavelmente, até ao dia da minha própria morte... Como vês, Clara, os
teus amigos mantêm-te viva, continuando a admirar e a reconhecer as tuas
qualidades pessoais e profissionais.
Deram o teu nome à biblioteca que era a
"menina dos teus olhos", da qual foste mais do que mãe. Lembro-me de
todo o processo, porque fui testemunha e porque partilhaste comigo muitas
inquietações desse “parto”... Eras uma pessoa de grande visão e, nos tempos
pioneiros da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), trataste logo da integração
da nossa Biblioteca Escolar (BE) na RBE. Nesse tempo não havia "Equipas da
Biblioteca Escolar" e tu davas aulas como qualquer outro professor (talvez
tivesses algumas horas de redução, mas nada que compensasse o esforço que
despendias). Tiveste a humildade, outra qualidade que era uma das tuas
características, de me pedires para colaborar contigo no desenvolvimento do
projecto de candidatura à RBE... Coube-me a tarefa de desenvolver o projecto de
arquitectura da biblioteca, que tinha que respeitar um programa específico, para
uma escola da tipologia da nossa, que discuti contigo. Lembro-me que os
incentivos financeiros decorrentes da entrada na RBE não cobriam as despesas
totais do projecto e que conseguiste que o Bastardo, então presidente do conselho directivo,
disponibilizasse a verba em falta.
Depois da entrada na RBE, formaste uma equipa para desenvolver o
trabalho e as actividades da BE da nossa escola. Tinhas consciência de que a BE
era uma realidade nova e que era preciso "partir muita pedra" até ter
o necessário e merecido reconhecimento interno. Tiveste o mérito de teres
desenvolvido o projecto da nossa BE de uma forma gradual e sustentada, que
envolveu a criação de uma equipa, o contínuo desenvolvimento da colecção, a
gradual ampliação e apetrechamento tecnológico, a interacção com a Biblioteca
Municipal de Cantanhede (até conseguiste que o Município de Cantanhede
comprasse o "software" especializado
que passámos a utilizar na BE) e a criação de uma rede concelhia de bibliotecas
escolares. Tinhas consciência de que a formação especializada da equipa era
fundamental para um trabalho cada vez mais profissional e eficaz. Deste o
exemplo e fizeste uma pós graduação em Ciências Documentais e posteriormente um
mestrado em Bibliotecas Escolares. Grande parte dos membros da equipa da BE
seguiram-te o exemplo e fizeram diversas formações especializadas em áreas das
ciências da informação e da documentação (eu comecei a licenciatura em Ciências
da Informação e da Documentação, quando fazia parte da tua equipa da BE).
Lembro-me do Litério, outro dos presidentes
do conselho directivo com quem trabalhaste, dizer, sobre a escola e a
biblioteca, que parecia que era a biblioteca que tinha uma escola lá dentro,
quando se referia à organização que dirigias...
Tu eras uma pessoa sabedora, mas de uma
humildade avassaladora...
Chamávamos-te "generala", mas na
equipa agias como um verdadeiro soldado, trabalhando ombro a ombro com os
restantes membros do "poletão". Tu sabias que numa organização como a
que dirigias, tem que haver um equilíbrio entre a eficácia e o
prazer/felicidade na execução do trabalho a realizar. Claro que para ti os
"papéis" eram necessários e importantes, mas ainda mais importante
que os mesmos, era o resultado da nossa acção.
Lembro-me que "perfilhaste" a
minha ideia da criação de um Boletim da Biblioteca, que foi exemplo,
reconhecido pela RBE, de boas práticas, tendo passado a constar da página da
Rede de Bibliotecas Escolares. Tinhas por hábito fazer acções de formação para
os professores da ESC tomarem conhecimento da colecção e dos equipamentos
electrónicos que a BE disponibilizava para utilização no espaço aula. Tu
querias que a BE fosse cada vez melhor para tornar a ESC ainda melhor...
Tenho saudades de ti, Clara, de trabalhar
contigo numa equipa fantástica, na qual por vezes havia tensões (peço-te
desculpa por qualquer coisa que tenha feito!!!), mas onde a amizade imperava;
todos os anos nos reuníamos, como grupo
de grandes amigos que éramos, para confraternizar, algumas vezes em tua casa,
com a tua família...
O reconhecimento do teu trabalho e da tua
dedicação é, na verdade, a verdadeira homenagem que te podemos prestar.
Beijinhos,
Zé Paixão
Nota: por solicitação do seu autor, este texto foi publicado sob as normas do anterior acordo ortográfico.
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