para não esquecer

[ainda a propósito da memória do Holocausto]


Vivi na Polónia quatro meses. Quando cheguei, achei tudo muito cinzento e frio. O tempo, as casas, as pessoas... É tudo muito diferente de Portugal. Mas, antes de fazermos um juízo sobre o povo que não nos acolhe com um sorriso na cara, decidi perceber a história deles. Estando num país onde a Segunda Guerra Mundial se fez sentir com toda a sua força, onde cidades foram completamente destruídas e muitas vidas levadas, e onde milhares de Judeus foram presos, torturados, escravizados e mortos, achei por bem visitar os campos de concentração existentes em Cracóvia.

Dos campos apenas sabia aquilo que tinha aprendido na escola e o que retratam os filmes. Sabia que se chamava Auschwitz, mas nem fazia bem a ideia do que me esperava. Pois bem, existem dois campos de concentração nos arredores de Cracóvia, muito perto um do outro, que fazem parte do roteiro turístico. Chamam-se Auschwitz e Birknau. O primeiro que visitei foi Auschwitz. Um guia ajudou-nos a perceber melhor a tremenda tristeza do que ali se passou, porque não sei outra palavra para definir o que aconteceu. É como vemos nos filmes, uma zona cercada com arame farpado, casa de tijolos vermelhos e um portão de ferro que à entrada tem escrito “O trabalho liberta”. 

Os campos que visitei foram, em parte, aldeias polacas que os nazis obrigaram a desocupar para que os judeus tivessem onde permanecer. Neste campo existem casas de tijolos vermelhos, com divisões bem definidas e aquilo que se pode considerar condições mínimas. Existem casas de banho, quase como se fossem balneários de um ginásio- Em algumas casas existem camas e beliches de madeira. Outras divisões são escritórios utilizados pelas tropas. Ao deparar-me com este cenário, pensei que afinal não era assim tão mau. Mas, só depois percebi que num quarto onde existem oito camas beliches, dormiram dezenas de pessoas, todas juntas, encolhidas e sem qualquer tipo de privacidade ou conforto; as casas de banho serviam centenas de pessoas e os prisioneiros tinham horários para as utilizar. Nem todos conseguiam utilizá-las a tempo. Na cave existiam celas, escuras, para aqueles que cometiam algum tipo de infração, e para as mais graves as celas não passavam de um espaço com um metro quadrado de área, completamente fechadas, apenas com uma porta, desculpem-me o exemplo, como as que os cães tem nas portas para entrar nas casas. Ali as pessoas permaneciam em pé, toda a noite, sendo obrigadas a trabalhar no dia seguinte.

Parte do campo é atualmente um museu… Vemos grandes vitrinas com os pertences dos que ali foram parar…

Segundo a nossa guia, quando todo este plano começou, os nazis inventaram uma história bonita para contar. Tendo em conta que os judeus eram em grande parte pessoas de negócios, eles aliciavam-nos dizendo que noutros países, neste caso a Polónia, existiam grandes vilas com grandes lojas que seriam muito vantajosas para eles. Então, vendiam as suas casas, juntavam todos os pertences que pudessem levar e compravam um bilhete de comboio para o paraíso prometido. Chegado o dia, eram metidos em comboios a abarrotar de pessoas, onde não tinham qualquer tipo de higiene, comida ou bebida e a viagem iniciava. Ninguém sabia o que realmente se passava. Chegavam a Auschwitz, diziam-lhe para escrever os nomes nas malas, pois iam tomar um banho, visto terem tido uma viagem tão dura, e regressariam para as buscar. 
Sabemos o que acontecia depois. Iam para a camara de gás, que não passa de uma sala ampla, e remédio que inicialmente era feito para matar ratos, era libertado através de frestas no telhado. Os que sobreviviam a este processo, por serem novos e úteis aos soldados, eram obrigados a trabalhar, a construir outros campos de concentração, casas e muitas outras coisas.

Para eliminar provas, e desocupar espaço, os corpos eram queimados em fornos. Os Judeus eram obrigados a queimar os corpos, talvez de amigos, parentes ou conhecidos até.

Hoje as camaras de gás são uma zona onde o silêncio é exigido. E nesse silêncio, com tudo aquilo à nossa volta, fui invadida por uma sensação de revolta e impotência. Nunca vamos ter a capacidade de realmente entender e ter a noção da tragédia que ali se passou. Como é que é possível ter-se cometido tamanha crueldade?! Matar apenas porque não pertencem à sua raça, porque não gostamos deles, porque se opõem e nos fazem frente… E mais que isso, mover tanta gente em seu favor.
Existem vitrinas cheias de malas, óculos, roupas de criança, tachos, escovas de cabelo e utensílios de barbear, tantos mas tantos objetos que foram deixados para trás na esperança de um dia serem recuperados pelos seus donos. Centenas de quilos de cabelos foram cortados para fazer uma espécie de tapetes. Há uma sala cheia de cabelo humano que não chegou a ser usado. Há uma parede cravada de balas, corredores inteiros forrados a fotografias de pessoas que por lá passaram, e não estão lá nem metade das pessoas. 

Em Birknau, sente-se o frio e a chuva a entrar nas frestas dos telhados e das paredes; as sanitas são meros buracos e estão todos juntos, lado a lado.
Trabalhar na cozinha ou limpar as casas de banho eram os melhores trabalhos, aqueles que menos esforço físico exigiam.

É um sentimento de angústia por um dia tudo isto realmente ter acontecido e o mundo não ter conseguido evitar todas aquelas mortes; é uma revolta quando vemos as camaras de gás em Birknau destruídas porque quando os nazis notaram que a guerra estava perdida mandaram eliminar todas as provas do genocídio em massa de seis milhões de pessoas.

Não podemos mudar o passado… mas visitar os campos fez-me sentir pequenina. Sente-se no ar o peso do que ali se passou. É impossível tirar uma foto a sorrir, porque naquele lugar não há motivos para sorrir. Vemos nas marcas das camas, das paredes, a dor e desespero de quem foi escravizado, espezinhado e morto.
Fica para sempre a memória de um sítio onde uma maldade muito grande foi feita e que ninguém conseguiu impedir a tempo. Auschwitz é hoje um lugar de homenagem a todos aqueles que naquele e em muitos outros sítios lutaram pela vida...
Rita Torres (ex-aluna da ELdF)




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