Divas a Ouver
A propósito do dia internacional da mulher
Há quem defenda que a cinematografia, como forma de arte, é (mais) um modo de exaltação da figura feminina, embora sob o olhar masculino (a maior parte das vezes). É quase como um modo de retratação inconsciente em relação à inversão dos papéis no governo do mundo.
Seja como for, o conceito de diva, que (curiosamente… ou talvez não!) tanto surge no âmbito da música como no do cinema, (re)afirma essa noção de relevo, essa posição acima dos demais.
A título de exemplo, atente-se no filme Música no coração (a ver pela enésima vez num qualquer canal televisivo): a história e a prestação interpretativa de Christopher Plummer (muito fraca, por sinal) é obliterada pela interpretação de Julie Andrews, que, serena e paulatinamente, lhe arrebata a primazia; a história de gata borralheira (em tempo de resistência ao nazismo) é quase esquecida para se aguçarem os instrumentos auditivos a fim de apreciar a dita Julie a ensinar ludicamente as notas musicais ou a desvelar um pouco da sua vida.
E este ato de apreciar os dotes vocais (e os temas musicais) em detrimento da história terá acontecido com outras atrizes, como Marlene Dietrich ou Liza Minnelli ou Dolly Parton ou Whitney Houston ou Aretha Franklin ou Olivia Newton John ou… ou… ou…
Por isso, em filmes e/ ou discos há grandes senhoras, donas de grandes vozes (e sem necessidade de melhoria por sistemas técnicos), que se vão destacando das demais (lamentando-se as que não conseguiram fazer das suas vidas o ambiente olímpico que os seus dotes canoros lhes proporcionaram). E a sua presença – na tela ou tão só na banda sonora – é sinónimo de expectativa de êxito. Após um decurso temporal significativo, temas e vozes continuam a ser relembrados… mesmo por quem nasceu depois! A composição pode ser boa… mas é a voz que “faz ficar”.
A propósito, não pode ser deixado de lado um caso de uma grande senhora da representação: Meryl Streep. Desde a plangente mas decidida Mrs. Kramer à diabólica Miranda ou à assertiva Dama de ferro, a versatilidade com que assume qualquer papel, fazendo a acreditar que aquela pessoa é real, faz de Meryl Streep uma atriz de Corpo inteiro, para não omitir as suas notáveis competências histriónicas.
A sua voz é ótima e adequada a determinadas personagens que (re)cria; é certo que gravou alguns álbuns de cariz musical; contudo, não se espera, de facto, uma grande capacidade canora de Meryl. Por isso, não surpreende a mediana prestação no filme Mamma Mia, onde já revelou alguma dificuldade para atingir determinadas notas mais agudas.
Todavia, o mundo fica parado quando Meryl Streep agarra o tema The winner takes it all e o faz “seu”, isto é, como se tivesse sido escrito exclusivamente para si, “candramatizando-o”.
Na versão original, Agnetha Fältzkog (um A dos ABBA) imprimiu uma marca (quase insuperável) de angústia resignada, na “leitura” (cantada) de um texto de desfecho.
Agora, no filme, Meryl Streep transforma o tema e junta-lhe amargura acumulada, sofrimento silencioso numa voz “arranhada” pelo alívio da – enfim – assunção da realidade. E fá-lo ainda com os seus olhos falantes, que superam imagem e som. Meryl não canta; INTERPRETA.
E isso… só uma diva sabe (ou é capaz de) fazer!
Paulo Correia de Melo
Março de 2015
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