... a propósito do mundial do teatro
PORRA PARA O TEATRO! (Luís Bizarro Borges)
[Quase sem
razão (necessária), às vezes, revisita-se um tema musical, um livro, um texto…
ou um texto sobre um livro. Apeteceu-me: revisitei o livro e o texto escrito
sobre o mesmo. Talvez por me lembrar do Dia do Teatro, talvez por recordar como
o Teatro, forma de arte do aqui-e-agora, é um modo de espelhar a vida (em todos
os sentidos).]
“Nem tudo o que reluz é oiro
Nem tudo o que alveja é prata”.
Serve o provérbio para falar, ainda que sucintamente, do
livro de Luís Bizarro Borges Porra para o Teatro!. Isto significa que, tendo em
atenção, antecipada e preconceituosamente, alguns tabus linguísticos (e não
só!), o título indicia um chorrilho se calhar pouco recomendável. Na verdade, porém,
o título é só um desabafo.
Efetivamente, este livro é um exercício (quase soliloquial)
narradramático em que Ricardo, o narrador, um frustrado empregado de escritório
e um frustrado dramaturgo com laivos de teatrólogo, vai tentando observar-se e
observar os outros em busca de algo… da verdade, talvez. Ao mesmo tempo,
apresenta propostas cénicas que são, na essência, a descoberta do Outro em si.
Em qualquer uma delas acontecem mutações progressivas à medida que se aproximam
da verdade egotista, uma verdade (“blanca ou roja”) de certo modo iconoclasta e
crua. Por isso, quando os ideais esbarram com pragmatismos espúrios e
limitações conservadoras, o resultado é o pessimismo, a desistência, o
conformismo, o abandono da luta.
«Os meus argumentos provocam-me tédio e cansaço, a pesada
sensação do déjà vu. Pueril e fastidioso. E nem sequer me consola o facto de
aplicar a mesma sentença em relação aos argumentos dos outros.» (p. 7)
É nessa altura que Ricardo, farto de tentativas frustradas
de se adaptar a um mundo que teima em fugir-lhe do entendimento, desabafa
desistentemente: “Porra para o teatro!” E se a vida é, shakespearianamente, um
teatro…
Note-se que a obra é também um exercício (curioso) de
desmitificação de tabus, sejam eles éticos, estéticos, religiosos, culturais…
Por isso, o autor apresenta circunstâncias com crueza, mas com naturalidade.
Afinal, nada que a realidade não lhe apresente… se calhar com mais crueza
ainda. E entre essas circunstâncias, em mimese da realidade, relevam as ditas
propostas cénicas.
Entre essas propostas que Ricardo apresenta e que o sr.
Costa vai rejeitando, destaque-se a segunda – “Eu, pecador, me confesso” – que
é aparentemente anticlerical. E é aparente porque o que releva dela não é o
sentido crítico do acto confessional, mas tão-só o significado e a utilidade
que cada um dos confessandos lhe imprime: um momento, não introspetivo e/ou
intimista, mas sim uma oportunidade de também ver o Eu no e com o Outro.
Tal como a vida hodierna, o livro lê-se bem e de um fôlego
só, até para ver “aonde é que aquilo vai dar”. E provavelmente vai dar ao
círculo, à completude, da vida, que se renova, mas em processo iterativo.
«As peripécias mais ou menos atribuladas que cada um evoca
como suas já foram contadas centenas ou milhares de vezes e em versões para todos
os gostos» (pp. 7, 99).
Paulo Correia de Melo
Março de 2015
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