a propósito de poetas...

... do século XX


Miguel Torga A Voz do Chão 

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“A sua terra é para ele como para uma planta: sítio de deitar raízes”.

“É debaixo do chão que me procuro.”

 É assim que se identifica.


E é com essa mesma simplicidade que canta a Vida.

Bucólica

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga   

“S. Martinho de Anta não é um lugar onde, mas um lugar de onde…”,“…a terra onde nasci e de onde verdadeiramente nunca saí”. * 

Na sua obra, Torga projeta as suas preocupações de ser humano, as suas limitações, as suas necessidades de transcendência, ao mesmo tempo que evidencia um magoado sofrimento, desassossego, que tanto lhe dá esperança, alento, como o mergulha no desespero. Intrinsecamente ligado ao mito de Anteu, as suas forças recuperam quando em contacto físico, direto com a terra, as fragas, as planícies…Só na ligação à terra (o sentimento telúrico) o poeta se sente retemperado da luta que trava com Deus e contra o seu destino de homem, como podemos ver, por exemplo, em S. Leonardo de Galafura .

Torga é a «Imagem da rebeldia. Também da inquietude. Dor da fragilidade humana face à força divina. Contudo, nota do valor do esforço e da persistência.» A sua poesia será sempre a de um resistente tenaz ao desaparecimento da ideia de Pátria


Orfeu rebelde, consciente de que a morte é o destino inevitável do Homem, não abdica da sua capacidade de busca e persiste na concretização do sonho, que confere sentido à existência humana – a procura da felicidade terrena.

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida, a revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

                                                         Miguel Torga


Que o Mar traiçoeiro da Vida nunca nos impeça de partir!


LCM

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