a propósito de Saramago...
... Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra.
Era uma vez a gente que construiu esse convento.[...]
José Saramago
“Juntam-se os homens que entraram hoje, dormem onde
calhar, amanhã serão escolhidos. Como os tijolos. Os que não prestarem, se foi
de tijolos a carga, ficam por aí, acabarão por servir a obras de menos calado,
não faltará quem os aproveite, mas, se foram homens, mandam-nos embora, em hora
boa ou hora má, Não serves, volta para a tua terra, e eles vão, por caminhos
que não conhecem, perdem-se, fazem-se vadios, morrem na estrada, às vezes
roubam, às vezes matam, às vezes chegam.” (Saramago, 2005, p.307)
Em Memorial do Convento, os homens são, de
facto, como tijolos, simples peças da vontade megalómana de um rei e do poder
inquisitorial. Quando não servem ou incomodam são eliminados e deles não rezará
a História. Mas a História também não denunciará as vidas que se perderam e os
sacrifícios vividos pela gente anónima que construiu o Convento de Mafra.
A epopeia da
construção do Convento apresenta o seu herói, trágico e universal. Apesar de
esmagado pelo poder instituído, este consegue encontrar uma energia renovadora
no sonho e no amor.
Dos seus
sonhos, a História também não falará. Cabe ao escritor a responsabilidade de
reescrever a História para que esta se perpetue na memória dos homens: “ (…)
tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vida também,
sobretudo se atribulada, principalmente se miserável, já que não podemos
falar-lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é
essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí
ficam, se de nós depende, Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino,
Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nicanor, Onofre, Paulo,
Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Valério, Xavier; Zacarias, uma
letra de cada um para ficarem todos representados (…)". (Saramago, 2005, p. 250)
Madalena Toscano
Referência bibliográfica:
Saramago, J. (2005). Memorial do convento. Lisboa: Caminho.
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