Direito e trabalho
[a propósito do dia 1 de maio, dia do trabalhador]
Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física
necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está
irritado, e devido à irritação voltado para si mesmo, podem os sentidos do
corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido.
Arendt, H. (2001). A condição humana. Lisboa: Relógio
d´Água, p. 137.
(…)
crateras escavadas
no espírito e através
das quais, incandescentes, as imagens
do mundo sobre ele próprio se derramam
como uma lava espessa, esses sentidos
que, como aéreos
estigmas, nos imprimem
na carne a cicatriz do céu, a indecisa
maneira de as imagens
do mundo se guindarem
mais alto do que a alma ou o alento
de quem dentro de nós
aviva a sua chama. O que nos sai
do coração vem a ferver.
(…)
«Nas tuas mãos começa o precipício».
no espírito e através
das quais, incandescentes, as imagens
do mundo sobre ele próprio se derramam
como uma lava espessa, esses sentidos
que, como aéreos
estigmas, nos imprimem
na carne a cicatriz do céu, a indecisa
maneira de as imagens
do mundo se guindarem
mais alto do que a alma ou o alento
de quem dentro de nós
aviva a sua chama. O que nos sai
do coração vem a ferver.
(…)
«Nas tuas mãos começa o precipício».
Nava, L. M. (2002). Poesia
completa 1978-1994. Lisboa: Publicações D. Quixote.
Na canção ideário do 25 de abril
de 74, Sérgio Godinho cantava que só haveria liberdade a sério se houver a paz,
o pão, saúde e educação e trabalho. O
trabalho surge, assim, como um direito, constitucionalmente reconhecido. No
reverso, o desempregado, o inativo, sente-se em falha, sente uma falta que urge
ultrapassar.
O labor (a necessidade de
alimentar e de prover ao copo) e o trabalho (a fabricação que se acrescenta ao
mundo e que em parte o destrói, pela não restituição do que é retirado para
produção) surgem-nos como uma imposição.
Um homem em luta com a natureza e
consigo próprio. As muitas fotografias de Sebastião Salgado (economista de formação
e fotógrafo de vocação) mostram-nos imagens do trabalho como uma realização
dolorosa. Na luta pela sobrevivência ou contra os elementos, o trabalho é-nos
retratado como algo de profundamente penoso, doloroso, que parece reduzir parte
da humanidade, sem atendermos à cor da pela ou origem, a um estado de
mineralidade.
Porque consideramos, então, o
trabalho como um direito e, mais do que isso, um desejo?
Na sua luta com a natureza, o
trabalho, entendido como fabricação, traduz o desejo do homem de vitória, de
superação, de controlo das forças que o ultrapassam. Na sua luta consigo
próprio, o trabalho traduz no homem a capacidade de desejo, de vontade e de inteligência
em se superar. O produto do trabalho, pela sua durabilidade, impõe-se para lá
da morte. O trabalho é, assim, parte constituinte do projeto que é o Homem.
Na sua luta com a natureza, o
trabalho, entendido como labor, significa a possibilidade de sobrevivência, de
satisfação das possibilidades básicas. Na sua luta consigo próprio, o trabalho
significa o contacto e o reconhecimento do outro, a inserção na teia social sem
a qual não há ação nem possibilidade de ser para além da morte.
Assim, e apesar do esforço e da
tensão, o trabalho é um dos instrumentos de criação do projeto em que cada um,
como humano, se procura ver reconhecido e, por isso, entendido como um direito.
Isabel Bernardo
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