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revisitar Pessoa 78 anos após a sua morte [sugestões de leitura da BECP]



O traço mais distintivo da obra de Pessoa é o de grande parte dela ter sido escrita sob diferentes nomes, sendo que os seus principais heterónimos eram dramatis personae plenamente desenvolvidas, cuja poesia (e, em menor grau, cuja prosa) era escrita em vários estilos, todos eles individuais e característicos. As principais figuras do drama-em-gente de Pessoa – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis – foram concebidos como autores autónomos, não apenas em virtude da singularidade intrínseca dos seus escritos: eles foram criados como indivíduos independentes de um ponto de vista textual e existencial, com trajetórias biográficas e relações interpessoais próprias.
Klobucka Anna M. ; Sabine, Mark (2010). O Corpo em Pessoa- corporalidade, género, sexualidade. Lisboa: Assírio&Alvim.



Falar de Fernando Pessoa é falar de Pessoas, com este ou aquele nome, com ou sem máscara, e tentar compor o puzzle da sua vida, da sua pessoa que, afinal, nem ele próprio conseguiu completar. A sua biografia pouco nos diz sobre a real dimensão do homem e do génio que, 78 anos após o seu desaparecimento, continua a “inquietar” tantos de nós.

Fernando Pessoa por Almada Negreiros

Com efeito, tentar conhecer Pessoa é tarefa que não se esgota no que da sua obra se conhece. Para o encontrar, teremos que o seguir de muito perto, não vá ele escapar-se ou esconder-se sob outro(s) nevoeiro(s ) da sua mutável personalidade. Em cada página, em cada texto, Pessoa renasce como o “ alter ego” de si próprio, na tentativa, sempre frustrada, de se encontrar, ora embrulhando-se no novelo que é o ortónimo, ora desembrulhando-se em alguns heterónimos, num eterno desassossego.



A obra de Pessoa mostra-nos o labirinto do seu “Eu”, através de uma visão fragmentada de um “drama em gente”. A viagem que fez à roda de si mesmo nunca encontrou um porto de abrigo, pois do amor apenas pretendeu que fosse “um sonho longínquo”.
A obra de Pessoa mostra-nos o labirinto do seu “Eu”, através de uma visão fragmentada de um “drama em gente”. A viagem que fez à roda de si mesmo nunca encontrou um porto de abrigo, pois do amor apenas pretendeu que fosse “um sonho longínquo”.

Para revisitar Fernando Pessoa, basta seguir algumas das sugestões de leitura que estão disponíveis na Biblioteca Escolar Clara Póvoa.


Fernando Pessoa, O banqueiro anarquista



“Causa certa estranheza a ideia de que um banqueiro possa ser anarquista, imaginando-se talvez que seja um anarquista não praticante, ou que o seja na teoria, mas não na prática. O banqueiro retratado por Pessoa, contudo, considera toda a sua vida exemplificativa do verdadeiro anarquismo descrevendo como, desde jovem, foi resolvendo diversas contradições e dúvidas até chegar à “técnica do anarquista.”


                                                  Fernando Pessoa, Cartas de amor



Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas



                             Fernando Pessoa, Cartas a Armando Côrtes Rodrigues



“Mantenho, é claro, o meu propósito de lançar pseudonicamente a obra Caeiro-Reis-Campos. Isso é toda uma literatura que eu criei e vivi, que é sincera, porque é sentida, e que constitui uma corrente com influência possível, benéfica incontestavelmente, nas almas dos outros. O que eu chamo literatura insincera não é aquela análoga à do Alberto Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos (o seu homem, este último, o da poesia sobre a tarde e a noite). Isso é sentido na pessoa de outro; é escrito dramaticamente, mas é sincero (no meu grave sentido da palavra) como é sincero o que diz o Rei Lear, que não é Shakespeare, mas uma criação dele. Chamo insinceras às coisas feitas para fazer pasmar, e às coisas, também — repare nisto, que é importante — que não contêm uma fundamental ideia metafísica, isto é, por onde não passa, ainda que como um vento uma noção da gravidade e do mistério da Vida. Por isso é sério tudo o que escrevi sob os nomes de Caeiro, Reis, Álvaro de Campos.”


                                   José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis



Um tempo múltiplo. Labiríntico. As histórias das sociedades humanas. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro de 1935. Fica até Setembro de 1936. Uma personagem vinda de uma outra ficção, a da heteronímia de Fernando Pessoa. E um movimento inverso, logo a começar: ""Aqui onde o mar se acaba e a terra principia""; o virar ao contrário o verso de Camões: ""Onde a terra acaba e o mar começa"". Em Camões, o movimento é da terra para o mar; no livro de Saramago temos Ricardo Reis a regressar a Portugal por mar. É substituído o movimento épico da partida. Mais uma vez, a história na escrita de Saramago. E as relações entre a vida e a morte. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro e Fernando Pessoa morreu a 30 de Novembro. Ricardo Reis visita-o ao cemitério. Um tempo complexo. O fascismo consolida-se em Portugal. (In. Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998).


                    Maria Vitalina Leal de Matos, A paixão segundo Fernando Pessoa


Fernando Pessoa publicou na revista Centauro, em 1916, catorze sonetos, que intitulou Passos da Cruz. É inegável a relação que os poemas estabelecem com a Via Sacra. Porém, o hermetismo dos textos, de beleza alucinante, e a ausência de qualquer alusão à devolução referida, dificultam a interpretação. O trabalho de determinar a relação entre os dois «textos» – que revela uma espiritualidade cristã, mas de cariz gnóstico – fez aparecer a possibilidade de uma encenação que se afigura difícil mas vivamente sedutora.


                                           Bernardo Soares, O livro do desassossego



O que temos aqui não é um livro, mas a sua subversão e negação, o livro em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o anti-livro, além de qualquer literatura. O que temos nestas páginas é o génio de Pessoa no seu auge.

Boas leituras!

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