um conto por dia...

... nem sabe o bem que lhe fazia!

       O conto é uma narrativa de curta dimensão, cuja ação nos prende pela precipitação rápida para o final, normalmente inesperado. E, por ser conciso, facilmente nos envolve na trama em que enreda as personagens, sem grandes dispersões de espaço ou tempo e centrando-se na mensagem que nos quer transmitir.



A queda de um anjoUma octogenária descontente com o Paraíso, pois não tem junto a si a pessoa que mais ama, decide viajar para o Inferno. Para ela, o Paraíso pode ser infernal e, ao contrário, o Inferno poderá ser uma fonte de felicidade.

      «Quando era nova pensei que deveria substituir os fins por recomeços para não ter muita coisa para enterrar. Depois, quando envelheci, pensei que talvez devesse passar mais tempo a enterrar coisas. Funciona com as dálias e com as margaridas. Enterramos sementes e aquilo cresce em direção ao sol. Os corpos sem luz têm vontade de se exibir e de crescerem pelo céu acima como se subissem escadas. Enterramos coisas e elas crescem, aparecem, engordam, ficam verdes. É um bom exercício e foi algo que fiz com frequência: enterrar-me no jardim. O meu marido detestava que o fizesse, mas aquilo dava-me vontade de viver e eu saía da terra como as dálias e as margaridas, cheia de pétalas e cheia de cores. Enfiava-me a preto e branco e saía como se fosse felicidade. Depois passava muito tempo a limpar a roupa e, por três vezes, apanhei carraças. Tive de as tirar com um jornal a arder e eu detesto queimar as notícias. Dizem que não prestam, mas eu sinto que são importantes e informam-nos que a nossa vida está sempre a caminhar para o abismo e que não há nada a fazer senão continuar a votar nas pessoas erradas, que é para isso que serve a democracia, segundo me é dado perceber.»

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