um conto por dia...
... nem sabe o bem que lhe fazia!
O conto é uma narrativa de curta dimensão, cuja ação nos prende pela precipitação rápida para o final, normalmente inesperado. E, por ser conciso, facilmente nos envolve na trama em que enreda as personagens, sem grandes dispersões de espaço ou tempo e centrando-se na mensagem que nos quer transmitir.
A missanga, todas a veem.
Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai
compondo as missangas.
Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio
costurando o tempo.
A maioria dos contos
de O fio das missangas centra-se em
estórias breves, mas contendo, cada uma
delas, as infinitas vidas que se condensam em cada ser humano, revelando, com fina sensibilidade, o universo feminino e
dando voz e tessitura a almas condenadas à não-existência, ao esquecimento,
como objetos descartados, uma vez esgotado seu valor de uso. São vinte e nove belíssimas “missangas” literárias, contos
unidos em redor de um fio, que é a escrita encantada de um consagrado
fabricante de ilusões.
A linguagem é trabalhada
em delicada filigrana, confirmando o que o autor disse de si mesmo: «conto
estórias por via da poesia».
«Há muito tempo, me
casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando
me deixou, já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser
ninguém. Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro o
tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me
dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu
tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio
de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos
pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez,
com esse homem, na palavra eu me divinizei. Como perfume em que perdesse minha
própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.
Lembro desse
encontro, dessa primogénita primeira vez. Como se aquele momento fosse, afinal,
toda minha vida.» [do conto A despidideira]
Para ler, aceda aqui .
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