um conto por dia...

... nem sabe o bem que lhe fazia!

       O conto é uma narrativa de curta dimensão, cuja ação nos prende pela precipitação rápida para o final, normalmente inesperado. E, por ser conciso, facilmente nos envolve na trama em que enreda as personagens, sem grandes dispersões de espaço ou tempo e centrando-se na mensagem que nos quer transmitir.



O Progresso da Humanidade - 1939, vésperas da II Guerra, manchete do DN. «Coisas que Não Estão Certas: haver lobos em terras do Continente português é uma vergonha. É um sinal de primitivismo, de barbárie, de atraso, que não se compadece com as expressões do nosso progresso». Mas, 70 anos depois, Oliveira vai matar os lobos e salvar Portugal.
  

       «Finalmente, na coluna do lado, anunciava-se a abertura oficial do concurso da “Aldeia  mais Portuguesa de Portugal”. Não a mais bonita, mas a mais portuguesa. “Portugal, de há um século para cá, tem vindo a desaportuguesar-se, a trocar a sua vida antiga, simples, ingénua, graciosa, muito sua e distinta da dos outros povos, pelo modo de ser, pensar e agir do estrangeiro, nomeadamente do francês.” A tarefa, agora, era “reaportuguesar Portugal. Restituí-lo ao seu torrão nativo, à pureza dos seus costumes primitivos, posto de parte o receio de certos assustadiços e derrotistas, tementes de que tal renacionalização empecilhe o Progresso.”
        O Inspector sublinhou a expressão “pureza dos seus costumes primitivos”. Mais um termo que surge ligado à desgraça de Oliveira, tudo indica que sim.
        Mas a pista mais forte é a do próprio dia da abertura de Nova Iorque, 1939. O Inspector  fotocopiou o recorte e distribuiu-o pelos colegas. Quando se inaugurava a feira mundial que mostrava “o Mundo do Amanhã”, as viagens interplanetárias e os robôs cozinheiros,  o “Diário de Notícias” publicava, em caixa destacada na primeira página, a rubrica:

         COISAS QUE NÃO ESTÃO CERTAS

         À primeira vista o caso parece não ter importância de maior. Mas tem. E muita. 
Haver lobos em terras do Continente português é uma vergonha. É um sinal de primitivismo, de barbárie, de atraso, que não se compadece com as expressões do nosso progresso, com a situação de um país como Portugal, país civilizado, país europeu.

       Esta notícia teve grande impacto no jovem. O Inspector acha que sem ela, lida no local e no ambiente em que estava, “o indivíduo em causa ainda hoje estaria vivo”. Os colegas e superiores não acreditaram que um parágrafo de jornal, com quase setenta anos, pudesse causar aquilo, mas o Inspector fez uma pesquisa paralela nos jornais e Internet. Depressa descobriu a extraordinária coincidência: a visita de Oliveira a Santa Comba deu-se na altura em que surgiram notícias novas sobre “o regresso dos lobos a Portugal”. Setenta anos depois.»


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